sexta-feira, 24 de julho de 2015

O Elefante "Este nosso torrão tão bonito"


Fabrico um elefante de meus poucos recursos.
Um tanto de madeira tirado a velhos moveis talvez lhe dê apoio.
E o encho de algodão, de paina, de doçura.
A cola vai fixar suas orelhas pensas.
A tromba se enovela, e é a parte mais feliz de sua arquitetura.
Mas há também as presas, dessa matéria pura que não sei figurar.
Tão alva essa riqueza a espojar-se nos circos sem perda ou corrupção.
E há por fim os olhos, onde se deposita a parte do elefante mais fluida e permanente, alheia a toda fraude.
Eis meu pobre elefante pronto para sair à procura de amigos
num mundo enfastiado que já não crê nos bichos e duvida das coisas.
Ei-lo, massa imponente e frágil, que se abana e move lentamente
a pele costurada onde há flores de pano e nuvens, alusões
a um mundo mais poético onde o amor reagrupa as formas naturais.

Vai o meu elefante pela rua povoada, mas não o querem ver

nem mesmo para rir da cauda que ameaça deixá-lo ir sozinho.
É todo graça, embora as pernas não ajudem e seu ventre balofo
se arrisque a desabar ao mais leve empurrão.
Mostra com elegância sua mínima vida, e não há na cidade alma que se disponha a recolher em si desse corpo sensível a fugitiva imagem, o passo desastrado mas faminto e tocante.

Mas faminto de seres e situações patéticas, de encontros ao luar

no mais profundo oceano, sob a raiz das árvores ou no seio das conchas, de luzes que não cegam e brilham através dos troncos mais espessos.
Esse passo que vai sem esmagar as plantas no campo de batalha,
à procura de sítios, segredos, episódios não contados em livro,
de que apenas o vento, as folhas, a formiga reconhecem o talhe,
mas que os homens ignoram, pois só ousam mostrar-se sob a paz das cortinas à pálpebra cerrada.

E já tarde da noite volta meu elefante, mas volta fatigado, e as patas vacilantes se desmancham no pó.

Ele não encontrou o de que carecia, o de que carecemos, eu e meu elefante, em que amo disfarçar-me.
Exausto de pesquisa, caiu-lhe o vasto engenho como simples papel.
A cola se dissolve e todo o seu conteúdo de perdão, de carícia, de pluma, de algodão, jorra sobre o tapete, qual mito desmontado. Amanhã recomeço.

Carlos Drummond de Andrade

LEIA NA ÍNTEGRA:
"DISPÕE SOBRE A CRIAÇÃO DO PARQUE DO CINEMA E DAS COMUNICAÇÕES NO MUNICIPIO DE PAULÍNIA E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS"
POLO CINEMATOGRÁFICO E CULTURAL (CONTRATOS)
VOTO PELA IRREGULARIDADE DA LICITAÇÃO E CONTRATO
CASOS PRÁTICOS FORMAÇÃO EM PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS (PPPs)


Share